Nos últimos anos, o termo “sustentabilidade” se tornou onipresente, a ponto de, em alguns casos, perder sua força ou sentido real. No setor automotivo, passou a ser frequentemente associado, de forma simplista, à eletrificação. Mas essa equivalência é perigosa: ser elétrico não significa, necessariamente, ser sustentável.
“A maior parte do impacto ambiental de um veículo acontece antes mesmo que ele seja ligado pela primeira vez”, explica Silvio Rotilli, CEO e cofundador da Auper. “Estamos falando de cadeias globais complexas, com rotas marítimas e rodoviárias que emitem toneladas de CO₂, além da origem, durabilidade e destino dos materiais envolvidos.”
A sustentabilidade invisível
É cada vez mais comum encontrar motocicletas elétricas fabricadas com componentes de baixa qualidade, estrutura não reciclável e logística internacional intensiva - tudo isso envolto por um marketing “verde”. No segmento de motos, que ainda carece de regulação mais rígida, esse risco é ainda mais grave. Cada container, que transporta de 30 a 40 motocicletas desmontadas, pode emitir cerca de 4,22 toneladas de CO₂ em uma única rota marítima. Essa emissão ocorre antes mesmo da moto chegar ao cliente final.
A ilusão da economia
Componentes de menor qualidade não comprometem apenas a experiência do usuário, eles impõem um custo ambiental oculto. Peças frágeis quebram com mais frequência e exigem substituições recorrentes. “É uma cadeia de desperdício vestida de inovação”, afirma. “Não adianta eletrificar e continuar alimentando um sistema que gera sucata em escala. Sustentabilidade também é garantir que cada peça dure, possa ser consertada ou retorne ao ciclo produtivo.” Sustentabilidade precisa ser pensada já na fase de projeto, com foco em eficiência, durabilidade e qualidade. Sem isso, a conta ambiental só aumenta - silenciosamente.
Sustentabilidade na cadeia inteira
Para ser real, sustentabilidade precisa ser sistêmica. Isso significa considerar a motocicleta não apenas como produto final, mas como parte de uma rede maior de impactos, decisões e responsabilidades.
Algumas perguntas essenciais orientam esse olhar:
- De onde vêm os componentes? Existe rastreabilidade nessa cadeia?
- Qual a pegada logística até a montagem final?
- A qualidade é suficiente para garantir durabilidade e reduzir manutenção?
- Quantos componentes ao total são de fato necessários? É possível otimizar e reduzir?
Energia limpa e eficiência: onde está o potencial real
Outra dimensão fundamental da sustentabilidade é a origem da energia usada para carregamento. No Brasil, cerca de 86% da matriz elétrica já é composta por fontes limpas, um diferencial expressivo frente a outros países. Quando combinada a um projeto de veículo bem estruturado, essa energia limpa pode gerar um impacto ambiental muito menor.
Além disso, veículos elétricos têm potencial para operar com eficiência energética muito superior, se o design for projetado para isso. Enquanto um motor a combustão opera com eficiência entre 15% e 30%, um motor elétrico pode alcançar até 97%, reduzindo drasticamente as perdas.
No entanto, essa lógica de eficiência pode ser distorcida por soluções mal desenhadas, como o modelo de troca de baterias. Embora sedutor à primeira vista, o swap cria a necessidade de dezenas ou centenas de baterias extras circulando no ecossistema, muitas vezes sem rastreabilidade, sem uso otimizado e com impacto ambiental significativo. Além disso, ele transfere ao usuário final a responsabilidade por cuidar do componente mais sensível e caro do veículo - uma peça que não é dele, e sobre a qual ele não tem incentivos reais de conservação.
A popularização dessa abordagem no Brasil tem um pano de fundo técnico: grande parte das motos elétricas importadas utiliza motores de apenas 3kW, que oferecem baixo desempenho e carregamento lento. O swap, nesse contexto, surge mais como um "remendo” para compensar limitações técnicas do que como uma solução pensada para eficiência real. E mesmo em mercados mais maduros, marcas globais, como a Gogoro, vêm enfrentando grandes dificuldades para escalar esse modelo de forma sustentável.
A última milha como vetor de transformação
Segundo o relatório da ONU-Habitat (2022), áreas urbanas respondem por cerca de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa, e o transporte é um dos principais vetores. Nesse contexto, a mobilidade de “última milha” é um dos pontos críticos, especialmente nos grandes centros urbanos.
“Eletrificar a última milha tem um impacto direto e mensurável nas emissões urbanas, mas só será efetivo se os veículos forem realmente sustentáveis do início ao fim da cadeia”, reforça Rotilli. “Montar motos no Brasil com peças importadas por navios movidos a combustível fóssil, por exemplo, é trocar um problema por outro.”
Para evitar essa armadilha, a Auper constrói sua operação com base em três pilares
- Rastreabilidade total dos fornecedores;
- Logística planejada para reduzir emissões;
- Componentes de alta qualidade.
“Não montamos apenas uma fábrica. Desenhamos uma cadeia produtiva do zero, com critérios ambientais desde a primeira decisão”, afirma. “Da proximidade dos fornecedores à engenharia que reduz o número de peças, tudo foi pensado para reduzir impacto e aumentar responsabilidade."